Para ser um bom coach e se destacar em meio aos falsários do mercado, é preciso formação, tempo e amadurecimento
»Por Juliana Garçon » Ilustração de Cris Vector
Capitão da equipe de tênis da Universidade Harvard, onde se graduou em literatura, Timothy Gallwey começou nos anos 1970 a aplicar fundamentos de psicologia ao esporte e, depois, à vida corporativa. Seu método, The Inner Game, se baseia na premissa de que performance é o resultado de potencial menos interferências e que o treinador deve ajudar a extrair o melhor dessa equação. Para muitos, ele estava fundando o conceito de coaching.
Desde então, o interesse pela atividade se descreve em curva crescente e exponencial. No evento sobre coaching realizado no último Congresso da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH), a plateia esperada era de 150 pessoas. Apareceram 600. Coaching virou um filão de mercado para muitos profissionais (especialmente para os da área de RH), que veem no exercício uma perspectiva de carreira alternativa, com mais ganhos e flexibilidade. Não à toa, a atividade já vem movimentando no Brasil cerca de 20 milhões de reais por ano - e tem espaço para crescer. Nos Estados Unidos, passa de 2,5 bilhões de dólares.
A primeira consequência desse fenômeno é um batalhão de pessoas que passaram a atuar, ou a se apresentar, como coach, tendo se capacitado adequadamente, ou não. O número de membros da International Coach Federation (ICF) do Brasil, por exemplo, saltou de 30 no início de 2010 para 300 agora. A segunda consequência é a invasão desse mercado por picaretas, que misturam conceitos e, abusando de um palavrório sem conteúdo, tentam ganhar dinheiro facilmente. Se você quer ser um bom coach, reconhecido pelo mercado, saiba que não basta fazer um cursinho de algumas horas e ganhar um certificado. Para se destacar nesse meio é preciso muito mais. A VOCÊ RH conversou com profissionais experientes e influentes na atividade para desenhar o perfil do coach ideal. Entre eles, impera a percepção de que a formação para coach exige preparo, tempo e amadurecimento. Quem se lança nessa jornada precisa reunir, como bagagem, dezenas de horas de cursos, centenas de páginas de livros e vontade infinita de aprender, refletir, se criticar e crescer. Veja abaixo os principais passos que podem fazer de você um coach de respeito no mercado.
1- Formação específica
A oferta de cursos de formação para coaches acompanhou a expansão do mercado de coach. Em mecanismos de busca na internet, facilmente são encontrados mais de 30 cursos no Brasil. Uns prometem capacitar em uma imersão de fim de semana. Há também cursos pela internet. E outros que são oferecidos em turmas gigantes, com mais de 100 alunos por sala. Fique esperto com esses modelos. Segundo os especialistas, é impossível formar um bom coach assim. Cursos rápidos ensinam algumas ferramentas, mas a atuação consistente exige mais. Requer capacidade para criar e adaptar métodos, lidar com as situações, manter-se numa postura acolhedora e desenvolver uma relação de confiança.
Cursos sérios podem ter diferentes formatos, mas, em comum, são realizados por profissionais experientes, em salas com, no máximo, 20 alunos. Contam dezenas de horas e incluem conferências, leitura, lição de casa e atendimento supervisionado. No Instituto EcoSocial, o curso tem 176 horas, divididas em oito módulos ao longo de 18 meses. As aulas acontecem de quinta a sábado. A carga pode ser usada na contagem de horas de treinamento exigidas pela ICF por quem desejar obter a certificação.
Na Coach U, escola americana de formação de coaches, o curso básico tem 60 horas, empacotadas em três dias de aulas, três semanas de conferências, mais três dias de aulas e três semanas de conferências. No total, dura de três a quatro meses. As aulas são ministradas pela representante da Coach U no Brasil, Eliana Dutra autora do livro Coach: O Que Você Precisa Saber (Ed. Mauad X), que é certificada pela ICF e se dedica exclusivamente a coaching há dez anos.
2- Perfil
As expectativas convergem para um perfil bem delineado quando se fala nos atributos fundamentais para a atuação como coach. Dele se espera que faça perguntas que ajudarão o outro a refletir e encontrar o seu caminho e o seu desenvolvimento. Trata-se de uma missão de responsabilidade, que exige um grande nível de atenção (ser bom ouvinte) e de foco (ser movido pelo fenômeno humano, um entusiasta do sucesso das outras pessoas).
Para ter e manter esses traços, é de se supor que o indivíduo se submeta a sessões de psicanálise ou psicoterapia. “É desejável que a pessoa busque o próprio entendimento de forma a consolidar as perspectivas”, diz Vichy Bloch, uma das pioneiras do coaching no Brasil, que acumula 25 anos de experiência em recursos humanos. “Fiz terapia a vida toda. A pessoa precisa admitir que tem coisas novas para aprender, mesmo que já tenha experiência.” Na mesma linha, Maria Angélica Carneiro, coordenadora do Instituto EcoSocial e vice-presidente da ICF-SP, frisa a necessidade de buscar novos cursos e de se submeter a processo de coaching.
3- Experiência
Tendo as características necessárias à função e se dispondo a desenvolvê-las sempre mais, o profissional está apto a se inscrever num curso e se transformar num coach? Ainda não. É preciso ter bagagem. “Vivência organizacional é indispensável”, defende Maria Angélica. Isso vai demandar alguns anos no roteiro profissional. “Dificilmente um indivíduo com menos de 40 anos de idade tem experiência suficiente para ajudar os outros a encontrar os seus caminhos”, avalia Vicky. Além disso, diz ela, é essencial ao indivíduo que tenha algum tipo de experiência atrelada à formação de pessoas ó o que pode vir de carreiras dedicadas à atividade de preparar profissionais ou do papel de líder formador, em qualquer departamento da corporação. “A década atual se define pela dificuldade das lideranças de serem servidoras, ou seja, de apoiar os funcionários no desenvolvimento, na realização de projetos e no aumento de visibilidade”, diz Vicky. “O papel de coach é ser inerente ao trabalho de liderança, e isso exige experiência profissional.”
A experiência sozinha, porém, não basta. É preciso prática, que você adquire dando coaching aos colegas de curso e a clientes externos, sob supervisão. É nesse ponto que as salas cheias e os cursos rápidos ficam a dever. O atendimento supervisionado e avaliado faz parte da qualificação adequada e está na grade de todo curso que se preze. Nos cursos da International Coach Community (ICC), entidade certificadora britânica, os alunos devem atender três pessoas, que depois são contatadas pelos capacitadores para avaliar o trabalho dos futuros coaches. No EcoSocial, a partir do quarto módulo os alunos devem atender ao menos quatro clientes em 36 horas, com supervisão. Nos cursos de Vicky Bloch, depois da formação conceitual, os alunos assistem os professores fazendo simulações e, a partir disso, atendem seus próprios clientes na sala de aula, também com supervisão. Na etapa seguinte, atendem sozinhos, mas têm encontros mensais com os professores para monitoramento das atividades.
Por tudo isso, fica fácil entender por que não dá para se tornar coach em menos de um ano. “O conhecimento é acumulativo. As pessoas não mudam de uma hora para outra graça à leitura de uns poucos livros. A atitude não se sustenta no tempo se não for apoiada em reflexão”, explica Vicky. Para acumular horas de voo, Eliana Dutra recomenda que os novos coaches passem alguns meses treinando sem cobrar, acumulando de 30 a 40 horas de atendimento, sendo ao menos dez com supervisão. “E comece com pessoas que saibam que você está treinando”, orienta.
4- Estofo acadêmico
Se os três itens anteriores estão bem definidos no manual do bom coach, a formação acadêmica ideal desse profissional ainda gera controvérsia no mercado, mesmo entre os graduados no assunto. Para Vicky Bloch e Maria Angélica, formadas em psicologia, ter uma formação acadêmica relacionada ao entendimento de pessoas, em campos como psicologia e antropologia, é, sim, fundamental para o bom desempenho na função. Não é o que pensa, porém, Eliana Dutra, graduada em letras com pós-graduação em varejo e serviço. Para ela, o coach pode ter sua formação em qualquer área. “Thomas Leonard, precursor da atividade, era vendedor de seguros”, diz ela, sobre o fundador da ICF. “E Sandy Villas, dono da Coach U, era corretor de imóveis.”
5- Certificação e mercado
Outro ponto ainda não bem definido no Brasil é a questão da certificação. Nos Estados Unidos, a atividade de coach é regulamentada. Por isso, o número de horas de atendimento e a certificação definem a contratação dos profissionais. No Brasil não há regulamentação e as certificações vêm de entidades de outros países. “Por isso, muitos não buscam uma associação confiável para se especializar”, diz José Augusto Figueiredo, presidente da ICF Brasil, que contabiliza 25 coaches certificados e 90 em processo de certificação. Segundo os especialistas, a preocupação maior por aqui é saber sobre a experiência do coach. A certificação é vista como um elemento a mais na formação. Mas nem todos se preocupam em obtê-la. Vicky Bloch, por exemplo, não buscou uma, apesar de ter horas de atendimento mais do que suficientes. E, mesmo assim, não lhe faltam clientes.
Capitão da equipe de tênis da Universidade Harvard, onde se graduou em literatura, Timothy Gallwey começou nos anos 1970 a aplicar fundamentos de psicologia ao esporte e, depois, à vida corporativa. Seu método, The Inner Game, se baseia na premissa de que performance é o resultado de potencial menos interferências e que o treinador deve ajudar a extrair o melhor dessa equação. Para muitos, ele estava fundando o conceito de coaching.
Desde então, o interesse pela atividade se descreve em curva crescente e exponencial. No evento sobre coaching realizado no último Congresso da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH), a plateia esperada era de 150 pessoas. Apareceram 600. Coaching virou um filão de mercado para muitos profissionais (especialmente para os da área de RH), que veem no exercício uma perspectiva de carreira alternativa, com mais ganhos e flexibilidade. Não à toa, a atividade já vem movimentando no Brasil cerca de 20 milhões de reais por ano - e tem espaço para crescer. Nos Estados Unidos, passa de 2,5 bilhões de dólares.
A primeira consequência desse fenômeno é um batalhão de pessoas que passaram a atuar, ou a se apresentar, como coach, tendo se capacitado adequadamente, ou não. O número de membros da International Coach Federation (ICF) do Brasil, por exemplo, saltou de 30 no início de 2010 para 300 agora. A segunda consequência é a invasão desse mercado por picaretas, que misturam conceitos e, abusando de um palavrório sem conteúdo, tentam ganhar dinheiro facilmente. Se você quer ser um bom coach, reconhecido pelo mercado, saiba que não basta fazer um cursinho de algumas horas e ganhar um certificado. Para se destacar nesse meio é preciso muito mais. A VOCÊ RH conversou com profissionais experientes e influentes na atividade para desenhar o perfil do coach ideal. Entre eles, impera a percepção de que a formação para coach exige preparo, tempo e amadurecimento. Quem se lança nessa jornada precisa reunir, como bagagem, dezenas de horas de cursos, centenas de páginas de livros e vontade infinita de aprender, refletir, se criticar e crescer. Veja abaixo os principais passos que podem fazer de você um coach de respeito no mercado.
1- Formação específica
A oferta de cursos de formação para coaches acompanhou a expansão do mercado de coach. Em mecanismos de busca na internet, facilmente são encontrados mais de 30 cursos no Brasil. Uns prometem capacitar em uma imersão de fim de semana. Há também cursos pela internet. E outros que são oferecidos em turmas gigantes, com mais de 100 alunos por sala. Fique esperto com esses modelos. Segundo os especialistas, é impossível formar um bom coach assim. Cursos rápidos ensinam algumas ferramentas, mas a atuação consistente exige mais. Requer capacidade para criar e adaptar métodos, lidar com as situações, manter-se numa postura acolhedora e desenvolver uma relação de confiança.
Cursos sérios podem ter diferentes formatos, mas, em comum, são realizados por profissionais experientes, em salas com, no máximo, 20 alunos. Contam dezenas de horas e incluem conferências, leitura, lição de casa e atendimento supervisionado. No Instituto EcoSocial, o curso tem 176 horas, divididas em oito módulos ao longo de 18 meses. As aulas acontecem de quinta a sábado. A carga pode ser usada na contagem de horas de treinamento exigidas pela ICF por quem desejar obter a certificação.
Na Coach U, escola americana de formação de coaches, o curso básico tem 60 horas, empacotadas em três dias de aulas, três semanas de conferências, mais três dias de aulas e três semanas de conferências. No total, dura de três a quatro meses. As aulas são ministradas pela representante da Coach U no Brasil, Eliana Dutra autora do livro Coach: O Que Você Precisa Saber (Ed. Mauad X), que é certificada pela ICF e se dedica exclusivamente a coaching há dez anos.
2- Perfil
As expectativas convergem para um perfil bem delineado quando se fala nos atributos fundamentais para a atuação como coach. Dele se espera que faça perguntas que ajudarão o outro a refletir e encontrar o seu caminho e o seu desenvolvimento. Trata-se de uma missão de responsabilidade, que exige um grande nível de atenção (ser bom ouvinte) e de foco (ser movido pelo fenômeno humano, um entusiasta do sucesso das outras pessoas).
Para ter e manter esses traços, é de se supor que o indivíduo se submeta a sessões de psicanálise ou psicoterapia. “É desejável que a pessoa busque o próprio entendimento de forma a consolidar as perspectivas”, diz Vichy Bloch, uma das pioneiras do coaching no Brasil, que acumula 25 anos de experiência em recursos humanos. “Fiz terapia a vida toda. A pessoa precisa admitir que tem coisas novas para aprender, mesmo que já tenha experiência.” Na mesma linha, Maria Angélica Carneiro, coordenadora do Instituto EcoSocial e vice-presidente da ICF-SP, frisa a necessidade de buscar novos cursos e de se submeter a processo de coaching.
3- Experiência
Tendo as características necessárias à função e se dispondo a desenvolvê-las sempre mais, o profissional está apto a se inscrever num curso e se transformar num coach? Ainda não. É preciso ter bagagem. “Vivência organizacional é indispensável”, defende Maria Angélica. Isso vai demandar alguns anos no roteiro profissional. “Dificilmente um indivíduo com menos de 40 anos de idade tem experiência suficiente para ajudar os outros a encontrar os seus caminhos”, avalia Vicky. Além disso, diz ela, é essencial ao indivíduo que tenha algum tipo de experiência atrelada à formação de pessoas ó o que pode vir de carreiras dedicadas à atividade de preparar profissionais ou do papel de líder formador, em qualquer departamento da corporação. “A década atual se define pela dificuldade das lideranças de serem servidoras, ou seja, de apoiar os funcionários no desenvolvimento, na realização de projetos e no aumento de visibilidade”, diz Vicky. “O papel de coach é ser inerente ao trabalho de liderança, e isso exige experiência profissional.”
A experiência sozinha, porém, não basta. É preciso prática, que você adquire dando coaching aos colegas de curso e a clientes externos, sob supervisão. É nesse ponto que as salas cheias e os cursos rápidos ficam a dever. O atendimento supervisionado e avaliado faz parte da qualificação adequada e está na grade de todo curso que se preze. Nos cursos da International Coach Community (ICC), entidade certificadora britânica, os alunos devem atender três pessoas, que depois são contatadas pelos capacitadores para avaliar o trabalho dos futuros coaches. No EcoSocial, a partir do quarto módulo os alunos devem atender ao menos quatro clientes em 36 horas, com supervisão. Nos cursos de Vicky Bloch, depois da formação conceitual, os alunos assistem os professores fazendo simulações e, a partir disso, atendem seus próprios clientes na sala de aula, também com supervisão. Na etapa seguinte, atendem sozinhos, mas têm encontros mensais com os professores para monitoramento das atividades.
Por tudo isso, fica fácil entender por que não dá para se tornar coach em menos de um ano. “O conhecimento é acumulativo. As pessoas não mudam de uma hora para outra graça à leitura de uns poucos livros. A atitude não se sustenta no tempo se não for apoiada em reflexão”, explica Vicky. Para acumular horas de voo, Eliana Dutra recomenda que os novos coaches passem alguns meses treinando sem cobrar, acumulando de 30 a 40 horas de atendimento, sendo ao menos dez com supervisão. “E comece com pessoas que saibam que você está treinando”, orienta.
4- Estofo acadêmico
Se os três itens anteriores estão bem definidos no manual do bom coach, a formação acadêmica ideal desse profissional ainda gera controvérsia no mercado, mesmo entre os graduados no assunto. Para Vicky Bloch e Maria Angélica, formadas em psicologia, ter uma formação acadêmica relacionada ao entendimento de pessoas, em campos como psicologia e antropologia, é, sim, fundamental para o bom desempenho na função. Não é o que pensa, porém, Eliana Dutra, graduada em letras com pós-graduação em varejo e serviço. Para ela, o coach pode ter sua formação em qualquer área. “Thomas Leonard, precursor da atividade, era vendedor de seguros”, diz ela, sobre o fundador da ICF. “E Sandy Villas, dono da Coach U, era corretor de imóveis.”
5- Certificação e mercado
Outro ponto ainda não bem definido no Brasil é a questão da certificação. Nos Estados Unidos, a atividade de coach é regulamentada. Por isso, o número de horas de atendimento e a certificação definem a contratação dos profissionais. No Brasil não há regulamentação e as certificações vêm de entidades de outros países. “Por isso, muitos não buscam uma associação confiável para se especializar”, diz José Augusto Figueiredo, presidente da ICF Brasil, que contabiliza 25 coaches certificados e 90 em processo de certificação. Segundo os especialistas, a preocupação maior por aqui é saber sobre a experiência do coach. A certificação é vista como um elemento a mais na formação. Mas nem todos se preocupam em obtê-la. Vicky Bloch, por exemplo, não buscou uma, apesar de ter horas de atendimento mais do que suficientes. E, mesmo assim, não lhe faltam clientes.